16 de junho de 2015

Pernas para dentro, pernas para fora: sobre slingar recém nascidos

Uma das formas mais divulgadas de amarrar um recém nascido no sling, é a posição sapinho. Essa que você vê na foto:



Na posição sapinho, o bebê está como ficava no útero. Enrolado em posição fetal, a coluna está arqueada e as pernas estão naturalmente posicionadas em "M", ou seja, com seus joelhos na altura do quadril e pernas posicionadas lateralmente. A posição das pernas do bebê é extremamente importante não apenas para a segurança da amarração - pois dessa forma o carregador está travado abaixo do corpo, não permitindo que o bebê passe por ele e se acidente - como também para o desenvolvimento anatômico das pernas, coluna e quadril. A cabeça do bebê está para fora do pano, normalmente apoiada nos braços e mãos que o próprio bebê posiciona, como fazia na barriga.


A amarração em posição sapinho também acontece em outros modelos de carregador, como o de argola. E naturalmente não ocorre nos modelos estruturados, como o mei tai e as mochilas, sabidamente indicados apenas para bebês que sentam. Muito embora, indústrias de carregadores estruturadas como a Ergo Baby, ofereçam acessórios para seu uso com bebês recém nascidos, garantindo que eles não fiquem sentados nos carregadores, e favorecendo a posição "M" das pernas. 






Porém, há alguns anos, consultoras de carregadores e coletivos que estudam o assunto vem recomendando uma forma de amarração que coloca as perninhas do bebê, mesmo recém nascido, para fora, criando um assento com o tecido e promovendo uma abertura maior das pernas do que aquela que vemos no sapinho, além de fixar o ponto de tensão do pano nas dobra do joelho, coisa que não acontece no sapinho.

Ainda que as duas posições lembrem o formato da perninha do sapo e ambas tenham a premissa básica de que os joelhos do bebê estão na altura do quadril e sua anatomia natural é respeitada, no mundo do babywearing essa segunda posição foi batizada de posição cócoras. Como você vê na foto:




Colocando as coisas no contexto do Brasil


Estamos traduzindo livremente as nomenclaturas originais, do inglês. Mais adiante no texto você verá que a suposta polêmica entre amarrar as pernas do bebê para dentro ou para fora está também centrada em questões semânticas. No inglês, "froggied leg" está traduzido nesse texto para "sapinho". E a posição "cócoras" vem de "squatting straddle position", que literalmente significa "posição em cócoras arreganhadas". Os textos em inglês ainda usam uma terceira terminologia "spread squat" que em livre tradução seria "agachamento aberto" e potencialmente se refere ao "M position of the legs" ou "posição M das pernas" > que se aplica ao sapinho e ao cócoras, igualmente, nitidamente.

O babywearing é ainda incipiente no Brasil dito civilizado, a instauração da prática de levar o próprio filho no colo é coisa da última década, muito embora nossos habitantes originais nunca tenham abandonado a cultura milenar de carregar as crias, mais comumente em tipóias, à despeito do que institucionalizam as pesquisas e manuais técnicos sobre o tema. Isso para confirmar que estamos de frente a dados europeus, australianos e norte americanos, que felizemente (ou nem sempre) se apoiam na ciência e na tecnologia para teorizar sobre as coisas mais intuitivas da vida. Como colo.



Nesse prisma, algumas correntes do babywearing, apoiadas nas pesquisas das instituições do exterior que estudam a displasia de quadril, tem insistido enfaticamente que a posição sapinho seria prejudicial, e até mesmo proibida, para slingar um bebê. Como é tendência na europa, temos visto muitas consultoras em busca de espaço em um supostamente restrito nicho de mercado, praticando o babywearing tecnocrata: aquele que se apoia exclusivamente no livro de regras da ciência para dizer às mães como é o jeito certo de levar seus filhos no colo.

Claro está que existem normas de segurança para carregar um bebê. Mesmo sem nenhum carregador, alguém que leva um bebê no colo, intuitivamente opera sob princípios básicos de segurança. Apoiamos suas cabeças e alertamos os menos experientes quando vão pegá-los para que façam o mesmo. Sentimos seu equilíbrio e ajeitamos os filhos sobre as ancas. Nos cansamos e mudamos de lado. Eles se cansam, e deitam para mamar. Sem nenhum modelo de carregador, mães e bebês se entendem no colo. 




O tempo atua sobre nossos corpos e de nossos filhos. Estruturados, naturalmente suas pernas se encaixam nas mães. Que se slingando, vão descobrindo novas formas de dividir o peso, equilibrar as tensões e continuar suas práticas de afeto e rotina.

Tudo isso para dizer que defendemos que Slingar, assim como carregar no colo, é uma atividade dinâmica, simbiótica e também intuitiva. E não um conjunto de regras de segurança normativa que contemplam apenas o que as pesquisas dos institutos de displasia do quadril revelam. Mesmo assim, na intenção de aprender sempre, e melhorar as práticas de nossas consultorias, fomos pesquisar os pontos científicos que estão relacionados ao debate das "pernas para dentro ou para fora"

O que é importante saber sobre o debate


"Eu também pude ajudar" é o nome do livro do cirurgião ortopédico alemão, Ewald Feitweiss, que conta sua trajetória em descobrir tratamentos para a displasia de quadril. Seguidor de um outro cirurgião, Dr. Lorenz, autor de "Eu pude ajudar", outro título também sobre displasia, Dr. Feitweiss foi bem sucedido em proporcionar que as crianças que tem displasia de quadril pudessem ser tratadas fora do hospital. Feitweiss aprimorou o tipo de imobilização praticado por Lorenz. A imobilização de Lorenz (1898), conhecida como "froggied legs" - ou perninha de sapo - obteve menos sucesso para tratamento da displasia de quadril do que a evolução de Feitweiss (1968), conhecida por "squatting"- ou cócoras - que além de maiores taxas de sucesso para o tratamento da displasia de quadril, é mais tolerável para as crianças portadoras da doença, que precisavam ficar imobilizadas por 8 semanas ou mais.

Logo, a preferência pela posição cócoras que é cientificamente respaldada está relacionada à imobilização do bebê para tratamento de displasia de quadril, e não sugere que o bebê carregado em um sling na posição sapinho, que leva o mesmo nome da imobilização de Lorenz, mas não atua na mesma finalidade, corre riscos de saúde, de acordo com Dr. Feitweiss.

"O ser humano é fisiologicamente prematuro no nascimento. O esqueleto de um recém nascido é majoritariamente cartilaginoso. A posição "squatting spread" (cócoras abertas) é mais favorável. Uma pista disso é, por exemplo, as populações onde bebês são carregados em um wrap, amarrados à mãe. Os índices de displasia de quadril nessas populações é perto de zero. Quando as crianças estão no wrap, suas pernas estão à 90º para cima da articulação do quadril ou mais, e moderadamente abertas, evitando que a perna seja esticada para baixo. Portanto, os músculos pivotantes empurram a articulação circular do quadril, criando pressão hidrostática, que suporta o desenvolvimento ósseo correto da região." Dr. Feitweiss

Assim, a posição natural das pernas do recém nascido precisa ser respeitada, e qualquer posição de amarração dentro de um carregador que force suas articulações - seja no excesso de abertura da posição "M" ou no estiramento das pernas do bebê (caso de um posicionamento deitado, que ocorre também comumente em técnicas mais antigas do conhecido "charuto") - está relacionada ao aumento dos índices de displasia do quadril.





Percebemos que os apontamentos que acendem a discussão "pernas para dentro X pernas para fora" são baseadas em práticas de amarração de diversas organizações, fabricantes de carregadores e mães ao redor do mundo interessados em aprofundar-se nas posições ideais para o carregamento de bebês. Você encontrará informações diretivas sobre a o favorecimento das pernas para fora em iniciativas como:


E encontrará também informações diretivas que pontuam apenas da necessidade de respeitar a maturação fisiológica da coluna (formato "C") - com leve inclinação em qualquer posição de amarração, favorecendo inclusive carregamentos horizontais.


Encontrará ainda, informações que suportam o uso da posição "sapinho" das pernas para todos os bebês que não tem amplitude o suficiente para o "cócoras" aberto, bem como informações que ignoram a complicação semântica entre sapinho e cócoras, considerando ambas posições como "formato M" e adequadas do ponto de visto de maturação da coluna, para além das complicações da displasia de quadril.



Mas não encontrará nenhum artigo científico que corrobore a proibição das amarrações em "sapinho" ou pernas para dentro. E por favor, se encontrar, entre em contato conosco para dividir seus achados!

As outras justificativas para a "proibição" da posição sapinho não são baseadas em termos científicos, e sim em experiências pessoais ou abordagens generalizantes como "bebês se sentem melhor nessa posição".

É preciso frisar que é sabido que alguns bebês não ficarão confortáveis em algumas posições. É sabido que não é possível usar o "pernas para fora" como uma regra geral para todos os bebês. É sabido que um adulto slingando dificilmente passa várias horas com seu bebê amarrado na mesma posição. É sabido ainda que várias outras posições consideradas sub-ótimas (como por exemplo a posição lateral, com o bebê levemente deitado no tecido) também são praticadas durante a vida do bebê de colo, ainda que as pesquisas (dessa vez não dos interessados em displasia de quadril, mas sim nos interessados em sufocamentos de infantes) também "proibam" essas amarrações. É sabido que o investimento em conexão, observação e troca entre bebê e adulto que o carrega é um potente preventivo de qualquer suposto malefício que o trato diário possa causar.




É imprescindível pontuar que a opção pelo uso do carregador como prática de fortalecimento de vínculo, calmaria do binômio mãe e bebê, facilitação da rotina entre tantas outras vantagens precisa contemplar os estados físicos, emocionais e condições práticas de cada dupla, individualmente.

Reiteramos que o investimento em práticas de amarração - que a mãe ou pai podem desenvolver à partir de suas livres iniciativas, através de vídeos na internet, trocas com outros pais slingueiros ou apoio em consultorias especializadas - é extremamente positivo para slingar um bebê. Para além de ler os livros sobre isso e estudar as pesquisas, praticar o babywearing é uma das melhores formas de atingir os melhores resultados em amarração. Pratique, pratique, use, amarre, desamarre, faça de novo. 

Insistimos ainda que as regras básicas (que são intuitivas até sem os carregadores) de manter o rosto do bebê em constante visualização, apoiar coluna e pescoço com o tecido respeitando o forma natural da anatomia do bebê, e observar os sinais da dupla - tanto adulto quanto bebê devem estar confortáveis e seguros - são atitudes poderosas.

A academia e as pesquisas, muito embora bem-vindas em muitas situações da vida materna e dos quesitos da saúde dos bebês, podem gerar confusões desnecessárias e desgastantes, culpabilizando mães de forma leviana. O carregamento de bebês no colo pode e deve obedecer quesitos de segurança. Mas não pode ser encarado, assim como aconteceu com o parto e a amamentação, como uma atividade dependente da comunidade médica.

Seguimos nos informando e repartindo conhecimento sobre os facilitadores de colo, reiterando que nossa missão para além de vender slings é promover o contato afetivo entre os cuidadores e seus bebês à partir do colo. 

Um abraço

Sampa Sling